Estudo diz que crescimento na América Latina desde anos 90, em particular no Brasil, permitiu reduzir diferença de renda, mas alerta: queda desacelerou desde 2010.
A desigualdade de renda continua aumentando nos países ricos, mas caiu na América Latina na última década, afirma um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado nesta quinta-feira (21).
Ao longo das últimas três décadas, a desigualdade de renda aumentou na maioria dos países da OCDE, atingindo em alguns casos altas históricas, diz o relatório In it together – Why less inequality benefits all (Juntos nisso – Por que menos desigualdade beneficia a todos, em tradução literal).
Hoje, nos países da OCDE, os 10% mais ricos ganham 9,6 vezes mais do que os 10% mais pobres. Nos anos 80, a proporção era de sete vezes mais e, na década de 2000, de 9,1.
A partir de meados dos anos 2000, as desigualdades de renda também aumentaram em grandes economias emergentes, como China, Rússia, Indonésia e África do Sul.
Já a maioria dos países da América Latina, particularmente o Brasil, vem reduzindo, desde o final dos anos 90, as diferenças de renda, afirma a organização.
A OCDE, que reúne 34 países, a grande maioria economias industrializadas, ressalta, no entanto, que a queda na desigualdade de renda na América Latina desacelerou a partir de 2010.
A trajetória da América Latina contrasta com as dos países da OCDE, onde a desigualdade de renda tem aumentado desde o início dos anos 80, disse à BBC Brasil Horácio Levy, analista de políticas sociais da organização.
Houve, a partir do início dos anos 2000, uma queda generalizada da desigualdade na América Latina. Essa redução não ocorreu de forma tão acentuada em outras regiões, diz Levy.
Dessa vez o bolo cresceu, com o crescimento econômico, e foi melhor dividido. É um fato novo na realidade latino-americana, afirma o analista.
Gini O atual coeficiente Gini – indicador que mede a desigualdade de renda e que vai de 0 a 1 (quanto mais alto, maior é a desigualdade) – na média dos países da OCDE é de 0,32. O do Brasil é 0,55. O do México é 0,48 e, o do Chile, 0,51.
Segundo dados da OCDE, o coeficiente Gini médio de 22 países da organização em meados dos anos 80 era de 0,29. Ou seja, houve um aumento de quase 11% no índice, o que implica crescimento da desigualdade.
No Brasil, o coeficiente Gini passou de 0,6 em meados dos anos 90 para 0,55, uma queda de cerca de 8%.
O aumento das desigualdades de renda nos países desenvolvidos já havia sido destacado pelo economista francês Thomas Piketty em seu livro O Capital no Século XXI, que se tornou um best-seller internacional.
A OCDE afirma que a desigualdade de renda nos países ricos não aumentou apenas em períodos de crise, mas também durante bons momentos econômicos, com crescimento.
O aumento da desigualdade está tão profundamente incorporado em nossas estruturas econômicas que será difícil reverter isso, afirma o estudo, o terceiro sobre o tema realizado pela organização desde 2008.
Mudanças no mercado de trabalho Um dos principais fatores que explicam o aumento da desigualdade nos países da OCDE são as mudanças ocorridas no mercado de trabalho, decorrentes da globalização, de avanços tecnológicos e de reformas regulatórias.
Pessoas qualificadas em setores com alta demanda, como tecnologia da informação ou finanças, tiveram aumentos substanciais dos ganhos, diz o relatório.
Já os empregos com baixa qualificação, que sofreram a concorrência direta de países emergentes com mão de obra bem mais barata, não tiveram o mesmo ritmo de evolução.
O perfil da demanda de trabalho mudou muito nos países da OCDE nos últimos 30 anos. As pessoas com maior nível de formação conseguiram se adaptar e manter a qualidade do emprego, disse Levy à BBC Brasil.
Os empregos pouco qualificados foram os mais penalizados. A diferença salarial entre trabalhadores mais qualificados e os com menor nível de formação aumentou muito nos países desenvolvidos, diz o analista.
Além disso, a crise financeira a partir de 2008, seguida pela crise econômica, aumentou o desemprego em vários países. Hoje, nos países da OCDE, um terço dos empregos são temporários ou de meio período.
Na América Latina, o principal fator que explica a redução das desigualdades é justamente a diminuição das diferenças salariais entre trabalhadores com alto e baixo nível de formação, o que ocorreu, afirma o estudo, em razão do maior acesso à educação nesses países.
Os gastos na área de saúde e educação também aumentaram, o que teve impacto importante na redução das desigualdades na região, diz o analista da OCDE.
Por Daniela Fernandes - G1
|