Mau humor e antipatia estĂŁo entre os comportamentos que mais causam discĂłrdia
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NĂŁo importa o tamanho ou área de atuação da empresa. Dificilmente, um ambiente de trabalho vai estar livre daquele funcionário sĂ©rio, amarrado, carrancudo. E, seja qual for o motivo do mau humor, o “climĂŁo” criado por ele acaba atingindo toda a equipe e afetando a produtividade e os resultados da empresa. NĂŁo Ă toa, vem crescendo o nĂşmero de companhias que aderem a programas de assistĂŞncia psicossocial ou EAPs (Employee Assistance Programs, na sigla em inglĂŞs), prestados geralmente por empresas terceirizadas que ajudam funcionários a resolverem de questões jurĂdicas a sociais.
Mas os problemas de relacionamento respondem por cerca de 45% dos atendimentos e eles incluem, claro, tanto o mau humor como a antipatia.
— Relacionamento, de qualquer nĂvel, Ă© hoje o maior problema das empresas. Aquelas que nĂŁo tiverem equipes pensando junto, em prol de um objetivo, nĂŁo vĂŁo performar. E nĂŁo há nada pior para uma equipe do que uma pessoa mal-humorada, aquele pessimista crĂ´nico que sĂł enxerga os problemas e acha que nada vai dar certo — afirma Rita Passos, diretora da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV) e da Mind Solutions, empresa que presta esse atendimento a cerca de sete mil pessoas por mĂŞs, em 300 empresas.
— A minha sensação Ă© que com o alto nĂvel de pressĂŁo, as pessoas acabam se contaminando com esse humor negativo. É preciso estimular pessoas bem-humoradas a se tornarem lĂderes informais. E a atitude do chefe tambĂ©m conta muito. Se ele Ă© do tipo que espalha medo, vai ter somente pessoas temerosas em torno dele. É preciso que o chefe tambĂ©m tenha uma atitude bem-humorada — alerta Rita.
Diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho, da USP, a professora Ana Cristina Limongi acredita que, muitas vezes, o mau humor é usado também como forma de exercer o poder, ou quase como uma ameaça:
— É como na primeira infância que a criança emburra e faz birra para chamar atenção e conseguir o que quer. É uma forma usada por alguns chefes para conduzir o comportamento do outro. Aquela velha história do “vamos fazer o que ele quer, porque hoje o homem está nervoso”.
Para lidar com esse tipo de comportamento, alĂ©m dos atendimentos psicossociais, algumas empresas investem tambĂ©m em polĂticas de gentileza, que podem aparecer em campanhas ou atĂ© mesmo nos cĂłdigos de conduta.
— Em geral, as empresas querem manter um bom clima organizacional e isso envolve fatores como respeito, educação, domĂnio emocional — diz Silvio Celestino, consultor de Recursos Humanos. — E para manter o clima positivo, as empresas devem dar um feedback a esses indivĂduos de que sua atitude nĂŁo Ă© bem-vinda.
Até porque, lembram os especialistas, tanto o mau humor como a antipatia tendem a gerar um ciclo vicioso em que o maior prejudicado é o próprio mal-humorado ou antipático.
— Em casa e entre amigos, essas pessoas são vistas quase como um carma que os outros precisam carregar. No trabalho, mesmo os mais bem intencionados podem até tentar ajudar num primeiro momento, mas depois vão perdendo esse interesse e também a tolerância para esse tipo de comportamento — explica a doutora em psicologia Ana Maria Rossi, presidente do International Stress Management Association do Brasil (Isma-Br). — Com isso, os outros acabam se afastando, deixando de convidar o mal-humorado ou antipático para seus encontros ou happy hours. E quanto mais essas pessoas se sentem isoladas, mais ficam de mau humor.
Se a irritação constante nĂŁo fosse castigo suficiente, os mal-humorados ainda estĂŁo propensos a uma sĂ©rie de problemas fisiolĂłgicos. Levantamento realizado pelo Isma-Br mostrou que 85% dos mal-humorados sofrem de bruxismo (cerram os dentes), 42% tĂŞm um sono de má qualidade e 12% sofrem de hipertensĂŁo. AlĂ©m disso, tambĂ©m tĂŞm 30% mais chances de se tornarem alcoĂłlatras ou dependentes quĂmicos.
— SĂŁo pessoas hostis, insatisfeitas, que tendem a segurar essa raiva nos maxilares e ombros ficando permanentemente tensas, com dores musculares, enxaquecas. É um nĂvel de tensĂŁo tĂŁo intolerável, que muitas delas acabam tendo problemas com bebidas ou remĂ©dios — explica Ana Maria.
Os antipáticos, apesar de também contaminarem o ambiente de trabalho, e por isso acabarem isolados, não vão sofrer tanto fisicamente. Mas seu sofrimento psicológico pode ser ainda maior, já que muitas vezes o que é visto como antipatia esconde, na verdade, questões como timidez e insegurança, como explica Rita Passos.
— Às vezes, antipatia pode ser arrogância mesmo. Mas essa pessoa também pode se fechar por uma timidez excessiva, que causa dificuldades de relacionamento ou uma baixa autoestima que a faz bancar a arrogante.
AssĂ©dio moral, possĂvel consequĂŞncia
Para o consultor de Recursos Humanos Silvio Celestino, é preciso tomar cuidado com rótulos, já que a pessoa vista como antipática é, muitas vezes, aquela que cobra maturidade e profissionalismo dos outros. — Como ninguém gosta de ser cobrado, principalmente por aqueles que não são seus chefes, acabam rotulando o outro — diz Celestino, acrescentando que pessoas realmente antipáticas precisam aprender a lidar com suas questões de relacionamento.
E, para isso, lĂderes de equipe tĂŞm papel fundamental. SĂŁo eles que precisam saber reconhecer a personalidade de cada indivĂduo do grupo, fazendo um acompanhamento prĂłximo de cada um, dando feedbacks assertivos e evitando os conflitos na equipe.
— Complicado mesmo Ă© quando o lĂder Ă© o mal-humorado ou antipático. AĂ, sim, a equipe passa a ter problemas sĂ©rios de relacionamento e atĂ© de desempenho. E hoje Ă© comum ver lĂderes com dificuldade de lidar com o stress corporativo, que acabam contaminando o ambiente de trabalho com suas frustrações, mau humor e agressividade — alerta Ylana Miller, sĂłcia-diretora da Yluminarh e professora do Ibmec.
Para a professora Ana Cristina Limongi, da USP, casos mais graves podem acabar inclusive em assédio moral e não só de chefe para funcionário. Ela identifica três tipos clássicos de mal-humorados: o carente, que quer chamar atenção; o solitário, que prefere que ninguém chegue perto dele; e, o mais grave, o agressivo, que ataca o primeiro que aparecer pela frente. Mas, seja qual for o tipo presente em uma equipe, a maneira de lidar com eles é sempre muito parecida.
A primeira coisa a se fazer é ajudar essa pessoa a reconhecer o seu problema, mostrar de que maneira isso afeta a equipe e tentar criar momentos de descontração e lazer, sempre incentivando atitudes positivas e bem-humoradas. E, se o caso for mais grave, encaminhá-la a um profissional que possa ajudar a resolver problemas de relacionamento.
Pesquisa aponta o bom do mau humor
Por outro lado, há quem veja qualidades no mau humor. Uma pesquisa realizada pela Universidade de New South Wales, na Austrália, por exemplo, mostrou que mal-humorados tendem a prestar mais atenção e ser mais crĂticos do que as pessoas sempre felizes.
— Isso pode melhorar sua memĂłria, reduzir erros de julgamento e fazer com que elas se tornem mais atentas Ă s normas. Elas tambĂ©m tendem a ser mais perseverantes para realizar tarefas difĂceis. AtĂ© como uma estratĂ©gia para melhorar seu humor ao atingir o sucesso — explica o professor Joseph Forgas, autor do estudo.
Segundo Forgas, contudo, nĂŁo Ă© possĂvel afirmar que essas caracterĂsticas se aplicam a ambientes de trabalho, já que as conclusões resultam de experimentos realizados em laboratĂłrios.
— Os benefĂcios do mau humor sĂł servem para os casos moderados e por perĂodos curtos de tempo. Mas a principal mensagem aqui Ă© que o mau humor nem sempre Ă© indesejável.
A especialista em recursos humanos Ylana Miller discorda. Para ela, o mau humor nĂŁo pode ser bem-vindo: — Pessoas crĂticas tambĂ©m podem contagiar o ambiente com bom humor e simpatia e ser analĂticas e carismáticas ao mesmo tempo.
Por Karine Tavares - O Globo
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