O Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (SIMECAT) é a entidade que representa cerca de 6 mil trabalhadores das indústrias metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico da cidade de Catalão, no sudeste do Estado. O alto índice de trabalhadores da categoria metalúrgica no município pode ser explicado devido à presença da montadora Mitsubishi e da fábrica de maquinários agrícolas John Deere.
A ideia de criar um sindicato partiu de Carlos Albino de Rezende Junior, presidente da entidade pelo terceiro mandato. A iniciativa surgiu devido às péssimas condições de trabalho e salários existentes na empresa Mitsubishi naquela época. Sendo assim, mesmo com diversos contratempos, Albino reuniu alguns companheiros e conseguiu fundar o SIMECAT no dia 24 de junho de 2004.
Do total da sua base, cerca de 2,5 mil trabalhadores já são filiados ao sindicato e participam efetivamente das decisões e da luta por melhores condições de trabalho, salários e benefícios. Já são 85 empresas da categoria representadas pelo SIMECAT. Atualmente, o SIMECAT é referência no Estado e no País pelo seu jeito de lutar e pelas vitórias alcançadas ao longo destes quase doze anos de existência, marcados principalmente pelas conquistas dos principais aumentos salariais do País entre a categoria.
Um relato de sofrimento, luta e vitória.
Por Carlos Albino de Rezende Júnior (presidente do SIMECAT)
Contar a história da fundação do SIMECAT faz com que lembremos como as coisas para os trabalhadores eram difíceis, em Catalão. “Na Mitsubishi não tínhamos horário para entrar nem sair e o salário era 20% abaixo do salário mínimo”, lamenta Carlos Albino.
Ele conta como tudo começou:
Se alguém reclamasse das horas extras, o chicote comia e a chefia falava que o funcionário não servia para a empresa. Diante dos abusos cometidos pela Mitsubishi, resolvi montar um sindicato junto com meu companheiro Clédson Rocha Machado, o Bil.
Em busca de ajuda, visitamos a Federação dos Metalúrgicos que nos representava em Catalão. O presidente da época, Carlos Alberto Altino, propôs nos ajudar, então informei a situação dos trabalhadores de Catalão durante oito meses, já que ele prometeu pressionar a Mitsubishi a nosso favor. Mas infelizmente me enganei, pois esse homem levava todo mundo na conversa e embolsava nosso dinheiro.
Apesar dos contratempos, Altino me deu alguns livros sobre a história do sindicalismo no Brasil, que me fizeram interessar ainda mais pelo movimento. Nas férias, resolvi levar o Bil para Goiânia porque eu queria correr atrás do nosso futuro e lá descobri a verdade sobre Carlos Alberto Altino.
Já decidido a montar o sindicato em Catalão, fiz um curso durante 20 dias e foi uma fase difícil porque o dinheiro acabou e não tinha como voltar para casa. Um amigo, que trabalhava numa fábrica, me deixava dormir em cima da mesa de sinuca porque eu queria ficar mais dias e obter outros materiais de estudo.
Eu avisei o Altino sobre o sindicato, entretanto, ele não nos ajudou e, na época, eu não sabia que ele tinha obrigação de fazer praticamente tudo por nós. A situação ficou ainda mais difícil porque fundar um sindicato é muito caro e não tínhamos condições, afinal o trabalhador sempre vive apertado. Mas meu sonho era maior que os obstáculos, então vendi meu fusca para publicar os editais necessários.
Os editais devem ser publicados em jornais de grande circulação, como eu não conhecia ninguém do jornal O Popular, em Goiânia, procurei o sindicato Metabase de lá, que me ajudou a fazer esse trâmite burocrático.
Após buscar informações e resolver as pendências, passei a fazer reuniões na casa da minha avó, e a partir daí, outros companheiros apareceram como o Rodrigão, o Rherman, o Zé Pereira e o Urismar. Apesar da ajuda do Metabase, faltou publicar o último edital que custava R$ 800. Eu não sabia o que fazer porque já não tinha mais carro para vender e nem dinheiro. Para se ter uma ideia, meus colegas de trabalho fizeram uma vaquinha para pagar uma das passagens até Goiânia.
Nessa altura do campeonato minhas férias já tinham acabado, então apresentei na Mitsubishi um atestado médico e voltei para Goiânia com o objetivo de adquirir mais conhecimento sobre a fundação de um sindicato. Apesar do andamento da carruagem, ainda faltava o dinheiro para publicar o último edital. Graças a Deus, meu amigo Raimundo Carvalho, membro do Sindicato da Polícia Federal, nos deu o dinheiro e após oito dias marquei a fundação do sindicato.
A divulgação do SIMECAT foi tumultuada, já que os seguranças da Mitsubishi tentaram impedir a distribuição do informativo que fizemos para os trabalhadores. A confusão estava formada: os chefes ordenavam para não ler nossos panfletos e os seguranças tomavam nossos papéis mesmo recebendo tapas e chutes.
No dia 24 de junho de 2004, 121 bravos guerreiros participaram da fundação do SIMECAT, que infelizmente foi presidido por Carlos Alberto Altino. Além de gorar o sindicato e discutir com os trabalhadores, Altino estava planejando, junto com a chefia da Mitsubishi, mandar embora os envolvidos com o movimento.
Outro fato que marcou a fundação do sindicato foi a presença de um grupo de homens que chamou a atenção pela sua elegância. Com pinta de advogados da Mitsubishi, eles foram cercados o tempo todo pelos trabalhadores, na tentativa de descobrirmos quem eram eles. No fim, soubemos que o grupo fazia parte do Sindicato dos Metalúrgicos de Goiânia, e esse encontro mudou nossas vidas.
Foi o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Goiânia, Roberto Ferreira, que nos avisou sobre as tramóias de Carlos Altino, por isso hoje o consideramos como um pai. Além de abrir nossos olhos, Roberto mostrou o que estava errado no sindicato e nos ajudou a iniciar o projeto pagando outros editais, fornecendo computador, abrindo a sede e pagando contas como aluguel e telefone. As demais contas eram pagas com vaquinhas que fazíamos todo mês.
O que nos motivava era a vontade de melhorar a situação dos trabalhadores, porém não conhecíamos o caminho. Com o tempo fomos nos adequando e fazendo o necessário. Outra coisa importante que conquistamos foi o registro de sindicato no Ministério do Trabalho, já que antes dele, a Mitsubishi não negociava alegando que o SIMECAT era uma cooperativa. Quando tiramos o registro em São Paulo conheci Clementino Tomaz Vieira, atual presidente da Confederação dos Metalúrgicos, que se tornou um grande amigo.
Primeira greve
A partir daí, começaram as lutas e o momento que mais nos marcou foi a primeira greve, infelizmente frustrada. O SIMECAT é dividido em duas partes: antes e depois dessa greve. Nós achávamos que as coisas na Mitsubishi fossem mudar assim que a empresa parasse, mas os trabalhadores tinham medo, pois eram perseguidos. Existiam ainda os ‘puxa- saco’ que furavam a greve, chegavam até mesmo a se machucar nas telas de proteção só para entrar na empresa. Houve tumulto, briga e confusão. Alguns chefes nos agrediram e o supervisor implorava pelo fim da greve, julgada de maneira errada pelo juiz da época.
Lembro que fomos condenados a pagar uma multa de R$ 5 mil por dia de greve, porém o presidente da Confederação dos Metalúrgicos, Clementino Tomaz Vieira, arcou com as despesas e partimos para a queda de braço. Entretanto, a Mitsubishi armou uma estratégia muito boa e não permitiu que os ônibus, escoltados pela polícia, chegassem por onde eram acostumados, impedindo o contato dos trabalhadores com a manifestação.
Apesar da pressão da polícia, já que éramos a minoria, 400 trabalhadores permaneceram de fora e mantiveram a greve, pena que não adiantou e encerramos o processo. Após quatro meses, fizemos nova greve com 21 trabalhadores e paralisamos a Mitsubishi por três dias, obrigando a empresa a mudar. Conseguimos muitas conquistas porque infernizávamos o RH da empresa.
Conquistas
Após a chegada do SIMECAT à Catalão, os trabalhadores adquiriram diversas vantagens. As lutas valeram a pena, pois proporcionaram aumento salarial, cestas básicas e o cumprimento do horário de trabalho. O tratamento do chefe para com o funcionário também melhorou, já que antigamente os supervisores eram autoritários e mal educados.
Logo quando o SIMECAT foi fundado, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Goiânia, Roberto Ferreira, nos levou para o Encontro Internacional de Montadoras de Curitiba, onde conhecemos sindicalistas de todo o País.
Quando contamos quanto o trabalhador de Catalão recebia por mês, quase morreram de rir, pois o valor não dava 10% do piso salarial deles. Hoje nosso piso é quase dois salários mínimos, apesar da diferença ainda ser grande em relação às outras montadoras.
Para chegar onde estamos, com 3.800 filiados e várias conquistas na bagagem, enfrentamos muitas dificuldades como falta de dinheiro e informação, mas a união, além do trabalho e do comprometimento de cada um com o SIMECAT, fez com que obtivéssemos retorno. Mas a luta não para, continua, para que possamos crescer ainda mais em Catalão e garantir os direitos dos trabalhadores.
Carlos Albino de Rezende Júnior
Eu entrei para trabalhar na linha de cabine da Mitsubishi, mas acabei virando um coringa, ou seja, ficava em várias estações ao mesmo tempo. Como eu era muito rebelde, sempre me deixavam de castigo embaixo do sol na estação de lavação, localizada no pátio. Embora eu tivesse o respeito da chefia, ela “implicava” comigo porque eu questionava as irregularidades da empresa, o que me dava uma certa liderança com os funcionários.
A minha popularidade dentro da Mitsubishi se deu por conta das festas que eu organizava e por defender um colega caso ele precisasse de ajuda. Quando um funcionário tinha um problema pessoal e não podia ficar até mais tarde, eu intervinha junto à chefia, o mandava embora e fazia seu serviço.
Falar sobre as festas que eu organizava me faz lembrar um fato. Na época existia uma funcionária no RH da Mitsubishi que roubava minhas ideias. Eu era indisciplinado, mas tinha qualidades e a criatividade era uma delas. Eu inventei uma etiqueta para ser colocada no crachá dos funcionários, caso eles alcançassem as metas propostas. Também criei a visita de nossos familiares na empresa para tirar foto ao lado dos carros. Ajudei na organização de muitos eventos, entretanto, ficava só nos bastidores porque ela assumia a autoria das ideias.
Faltando uma semana para a fundação do SIMECAT, eu criei uma confusão na Mitsubishi porque não aguentava mais a desorganização da empresa e o autoritarismo dos chefes. O estopim foi pedir atenção para um problema que estava acontecendo na montagem de um carro e não ser ouvido. Após uma semana, alertando os chefes nas reuniões e levando bronca porque tinha que parar a esteira e consertar o erro, eu estourei e falei que não montaria mais os carros enquanto não solucionassem o problema.
Na confusão surgiu puxa-saco, chefe, chefe do chefe e colegas. Uns apanharam outros levaram empurrões, e só deixei o local quando solucionaram o problema. Moral da história: paralisei a produção geral da Mitsubishi por 20 minutos para resolver o problema.
Acalmado os ânimos, me pegaram pelo braço e me levaram para uma sala apelidada de aquário, onde aconteciam as reuniões. Esperando ser demitido, o chefe me deu promoção, já que a minha moral ficou alta com os funcionários. Isso mostra que ninguém deve subestimar a Mitsubishi porque de boba ela não tem nada. Quando perceberam o grau da situação, me promoveram para auditor e aumentaram o meu salário. Por um lado foi bom, mas nessa função eu ficava longe dos trabalhadores, o que deixava claro a estratégia da empresa, que deu um tiro no pé porque eu já estava organizando o sindicato.
Passados dois meses como auditor, tempo necessário para finalizar a inauguração do sindicato, a Mitsubishi armou mais uma arapuca. Quando chegou a época das eleições da CIPA, sabendo que eu me candidataria novamente, o supervisor me mandou às pressas para São Paulo para fazer um curso durante 12 dias.
A máscara da empresa caiu quando liguei para o Rodrigão e descobri que ele tinha recebido folga no mesmo período da minha viagem. Descoberta a estratégia, Rodrigão decidiu pregar uma peça e foi até a empresa. Sem dinheiro, ele saiu do bairro Ipanema e andou sete quilômetros até a Mitsubishi. Chegando lá foi proibido de entrar, mas amparado pela MR entrou e fez sua inscrição. Visando me candidatar, liguei de São Paulo para a empresa e falei com uma das técnicas de segurança, que pediu um fax com meus dados.
Eu pensei que estava tudo resolvido, mas toda vez que eu falava com essa funcionária, ela alegava que não tinha recebido o fax. Mais tarde, um colega foi até o escritório e descobriu que meu fax estava em cima da mesa. Mais uma vez a Mitsubishi tentou me boicotar e proibiu minha inscrição alegando que eu estava em São Paulo.
Sabendo da malandragem, alguns amigos colocaram meu nome na inscrição da CIPA, causando a maior confusão. Depois que voltei de São Paulo a chefia me deixou de escanteio, mas no final deu tudo certo, já que nosso objetivo principal foi alcançado: a fundação do SIMECAT.